Boom Festival – Todos nós…temos muito a aprender com este festival.
“Na terra dos sonhos, podes ser quem tu és,ninguém te leva a mal
Na terra dos sonhos toda a gente trata a gente toda por igual”
Acho que já aqui citei uma vez a música de Jorge Palma. Acredito que o autor desta letra se tenha inspirado numa atmosfera muito parecida à do Boom para a escrever.
Desde 2006…
A minha história com o Boom é antiga. É como aquela relação platónica ou paixoneta de adolescência. Está sempre latente e nunca se concretiza. Uma espécie de fetiche. Como todos os fetiches, pode ser uma surpresa muito boa ou a maior desilusão. Corria o ano de 2006 (há 12 anos…whaaaat????) quando uns amigos meus me falaram do Boom e em como iam para a zona de Idanha-a-Nova cerca de 10 dias. Nessa altura, a minha veia festivaleira ainda se resumia bastante ao Sudoeste (que para quem não sabe, já foi um festival muito mais rock do que nos dias que correm) e iria nesse ano pela primeira vez aventurar-me a ir também ao Paredes de Coura. Como o Sudoeste coincidia com o Boom, não me pareceu fazer muito sentido a ideia de abandonar a minha faceta rockeira para me aventurar no trance.
Ainda assim, um amigo meu conseguiu-me convencer que a caminho de Paredes de Coura devia ir com eles a um festival em Oliveira do Hospital que era uma coisa muito chill-out e que eu ia gostar imenso. Ora esse festival super chill-out era na verdade, o after do Boom e de chill-out só mesmo uma tenda secundária. Os meus amigos enganaram-me ligeiramente, para que eu lá fosse ter. Em 2018, o local onde o Utopia costumava acontecer ainda está em recuperação devido aos fogos do Verão passado. Não consegui entender se sempre se iria realizar ou não.
E agora? Será que ainda faz sentido?
O Utopia foi então uma dos meus primeiros contactos com o Trance como estilo de música. Seguiram-se algumas festas em montes algarvios, na Serra de Sintra e algumas romarias a Almeirim. Uma ou outra vez de Europa às quartas-feiras quando a Pink Street ainda não existia com o conceito dos dias de hoje. O que é certo, é que por várias razões, houve sempre algo que me impediu de ir ao Boom. Se não estou em erro, motivos financeiros em 2008, estágio curricular em 2010, não poder tirar férias em 2012 e 2014 por estar na empresa há pouco tempo e uma viagem em 2016. A certa altura até me deixou de fazer algum sentido e quase assumi que talvez já tivesse passado o momento, uma vez que o trance já não era uma coisa muito presente na minha vida. Eis que chega 2018 e antes que uma desculpa ocorresse, comprei logo bilhete. Desafiei umas amigas, uma caloira como eu e uma mega veterana que já não ia há uns aninhos e andava cheia de vontade de repetir a dose. Vivi o fenómeno das filas imensas para comprar bilhete e ainda assim não desisti. Foi das melhores decisões que tomei nos últimos tempos. Não só porque foi exactamente o que eu achava que seria, mas foi mesmo muito além desse meu pensamento.
Que tipo de Festival é o Boom??
É preciso começar por explicar que sim, o Boom é muito trance e também há drogas. Uau. Até aqui nada de novo. Ouvi isto tantas vezes antes de ir que tinha mesmo de começar por aqui. É também dos festivais onde vi mais vigilância e voluntários (literalmente em todo o lado) e onde há um centro para aconselhamento e análise das mesmas, o Kosmicare. É preciso entender que o consumo acontece em todo o lado do mundo. Não é só nestas festas e podem tirar essa concepção das vossas mentes. Acontece e era incrível ter centros destes por todo o lado. Minimizaria certamente muitos problemas que acontecem por desconhecimento. O facto é que apesar de não ser legal, devido à lei de descriminalização, projectos de minimização de riscos e redução de danos são permitidos no nosso país.
Encontrei um estudo muito interessante sobre este caso, aqui. Ainda que em tempos longíquos, coisa para 2011, o facto de ter tirado um Mestrado em Ciências Farmacêuticas, permitiu-me ter a consciência de que a educação para a saúde é algo determinante e que as pessoas vão sempre, sempre fazer o que lhes apetece na mesma. Como tal, que ao menos estejam informadas sobre a sua decisão.
Não. Não é só Drogas e “Fritos”.
É preciso explicar também que o Boom não é só isto. Ainda ontem vi uma notícia do observador que mostrava como a organização lamentava o facto de ser um festival associado só a drogas. É mesmo de lamentar. Porque não é de todo só isso. É um exemplo incrível de sustentabilidade e de como as coisas podem ser cíclicas e não descartáveis. Podia começar aqui a despejar toda uma imensidão de métodos mas talvez aponte:
> a compostagem (em 2016 juntaram 80.400 kg de resíduos orgânicos para serem transformados em composto), nomeadamente as casas-de-banho utilizadas que para além de serem amigas do ambiente, eram elas próprias obras de arte.
> “100% dos talheres são biodegradáveis, feito a partir de amido de batata. Não é utilizado talher ou qualquer outro utensílio descartável para comer” – até existiam alguns restaurantes que tinham tara dos pratos.
> Existiam fontes de água potável espalhadas por todo o recinto. Sendo esta zona muito quente e seca, a água é um bem essencial para quem aqui passa uns dias. Não consigo imaginar quanto teria gasto em água se este sistema não existisse.
>A comida era incrível. Muito saborosa e servida em doses grandes. Bebi imensos sumos de fruta. (Algumas vodkas com sumo de melancia e melão natural que deram energia às minhas noites)
Para uma ideia de todas as outras acções existentes, podem dar uma olhadela aqui.
O Boom também é talks, documentários… Educação!
Para além disto, a própria educação para a sustentabilidade ocorria em documentários, talks (Assisti à da Fashion Revolution por exemplo) e a sensação de que todos os presentes têm o cuidado de respeitar a Natureza. Era aqui que queria chegar. Este festival é sobretudo sobre o contacto entre o homem e a natureza. Sobre tornar esse elo mais forte e mais presente. Existe, para nos pôr os pés na terra e fazer repensar como raio estamos a viver o nosso quotidiano. Não pude estar no festival os dias todos por motivos de trabalho e embora adore a minha vida, no dia seguinte a chegar a Lisboa senti uma espécie de depressão ao olhar à minha volta e detectar tantas coisas dispensáveis, descartáveis, discursos centrados no “Eu”, entre outros.
O Boom é aceitar a diversidade do Mundo.
No Boom Festival, há diversidade e é aceite e amada. O mote deste ano era ” Cultivate Freedom & Love”, estiveram presentes pessoas de 147 países e para além do contacto com a Natureza, visava mostrar que estamos mais em contacto se nos desconectarmos do digital. Às vezes, é difícil. Mesmo lá, com o meu trabalho, de vez em quando tinha de dar um olho ao telemóvel. Sinto que nunca descanso, nunca posso estar incontactável e a viver apenas e exclusivamente o momento presente. Este ano, este lema, queria mostra-nos que o momento era ali. Que existiam 35 mil pessoas para conhecer e com histórias para contar. Tentei ao máximo fazê-lo e deixar a rede para o mínimo indispensável.
Boom também é: “No Borders. No National Flags”
Outra coisa maravilhosa do Boom era o que aparecia na capa do Jornal que continha o programa: “No Borders. No National Flags”. É isso no que mais acredito. Que o mundo é uno. Somos um só. Esta questão das nações foi sendo socialmente construída e nós temos o poder de a desconstruir. De abraçar cada indíviduo e aceitá-lo como ele é. Era possível ver pessoas a fazer nudismo, hippies, freaks, psy trance followers, malta que vive este estilo de vida a 100% (anda de festival em festival) e todos os estereótipos que se possa imaginar. E ali, não havia compartimentos e caixinhas. Todos éramos Boomers. Todos estávamos a viver ali o nosso Boom.
O Boom não bombardeia as pessoas com marcas.
No Boom não há stands de marcas. Não há anúncios de marcas. Não há marcas. Não há publicidade e marketing massivo. Não há nada que eu mais adore que sentir que não me estão a impingir coisas. Nestes últimos anos, é quase impossível ir a um festival sem levar flashes de marcas nos olhos. Lembro-me que o Burrito era maravilhoso. Que os noodles eram divinais. Havia Super Bock e não havia um único anúncio a esta cerveja. Vou sempre lembrar-me que bebi super bock e não foi preciso naming, stands gigantes e meninas giras a dar coisas. Easy.
O meu Boom é diferente do teu!
O meu Boom muito provavelmente foi diferente da pessoa que acampou à minha esquerda, que estava na fila da casa-de-banho à minha frente, ou que almoçou a meu lado na praça central. Porque o que te leva ali e o teu percurso nestes dias pode ser variado. Há dois palcos onde há trance a toda a hora (só pára das 18h às 21h), um palco de chill-out, a liminal village e o NGO Django onde há talks ou documentários, uma tenda só de dança, um palco com concertos de outros géneros musicais, uma tenda para as crianças, uma zona de Healing com 5 espaços diferentes com uma programação imensa, a Funky Beach, as Instalações de arte espalhadas por todo o recinto e os artistas que decidem fazer as suas performances artísticas e musicais nos sítios mais improváveis.
Ah! E voltei a fazer um pouco de juggling com swings. Comprei daqueles que brilham no escuro. Que saudades.
O Boom é imenso. É o que estiveres à procura.
Há muito. Ninguém faz o mesmo. Há quem fique na pista principal desde que começa o Boom até que acaba, quem só esteja quase na zona do healing a meditar e a aproveitar os workshops, quem ande a saltitar mediante o programa…existem mesmo muitas opções. Apesar de não vos poder fazer sentido à primeira vista, é um festival que pode ser bastante familiar. Estavam por lá imensas crianças e bebés. Esqueçam lá o Rock in Rio.
Aqui, não há o ver e ser visto. Não o correr entre palcos. Há o sentir e absorver inspiração. Há o entender a humanidade na sua diversidade. Há aprendizagem e aceitação. Há liberdade. Isto tudo para dizer que fiquei maravilhada e que daqui a dois anos estou lá os dias todos. Um mega parabéns à organização porque já estive em muitos festivais (mesmo o Sziget que tem 20 e tal palcos) e nada me pareceu tão real, singelo e sincero. Já agora aproveito para dizer que a companhia foi a melhor e que sem estas duas miúdas a coisa não era a mesma 😉 #2020
Joana Lino
Adorei ler o teu texto e o teu testemunho. Tive a minha fase do Trance e de tudo isso e cheguei a ir ao Boom e a melhor memória é mesmo essa sensação de liberdade e aceitação de que falas.
A mentalidade do nosso país ainda é muito pequena para compreender festivais como este e infelizmente tudo o que passa cá para fora é a quantidade de pessoas a quem droga foi apreendida. Sim, ela existe e em grandes quantidades, mas não são elas que fazem o Boom, são as pessoas. Fico mega feliz que tenhas gostado e confesso que, apesar de já não ser bem a minha praia, bateu uma saudadezinha! Beijooo
acrushon
Vamos em 2020? 🙂