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Rapariga solteira procura casa em Lisboa para relação séria.

Rapariga solteira, 30 anos, procura casinha pequenina no centro de Lisboa para uma relação a dois. Sou pouco prendada na cozinha por isso passam-se semanas sem dar uso aos electrodomésticos. “Ah…a cozinha não é equipada?…mas o anúncio diz que são 600€…ahhhh ok…é um apartamento com personalidade!”

Procurar casa para alugar em Lisboa nos dias que correm é como procurar o príncipe encantado. É melhor considerar que não existe tal coisa.

Em clima de santos populares, tradição e espírito bairrista, talvez seja uma boa altura para falar sobre isto.

Em primeiro lugar, a cidade está a ficar destinada apenas a turistas e não aos jovens que povoam este lugar. Há muito poucos anúncios no centro da cidade e os que existem são a preços exorbitantes. Sou das pessoas que mais apoia que existam hostels, airbnb e hotéis para quem quer visitar a nossa cidade. No entanto, como viajante, quando estou noutro país, gosto de sentir que estou a viver a cidade como ela é. Que estou a ficar a dormir num bairro tradicional onde vivem pessoas que todos os dias estão por ali e dão alma àquele lugar. Acordar de manhã e só ver turistas à minha volta faz-me pensar que aquele sítio não é real. É feito. Fabricado. E assim se vai tornando Lisboa. Numa fábrica de souvenirs vendidos por indianos e tours de tuktuks em cada esquina numa moda que se criou sem ser proveniente da alma lusitana. O centro está a ficar desabitado de pessoas normais que têm empregos simples e são a essência verdadeira da nossa capital. Muitos edifícios devolutos e fechados. Se um dia forem remodelados nunca se destinarão à pessoa comum. Há demasiadas casas comerciais com tradição e reconhecidas por todos a fecharem para novos hotéis se erguerem. Achava que estava a exagerar, não fosse este tipo de artigos com títulos preocupantes: “Qualquer dia arranjamos figurantes para fazer de portugueses.

E olhem que eu sou do Algarve. Prefiro não falar sobre o que acontece quando vilas típicas se entregam de corpo e alma ao turismo sem qualquer tipo de planeamento. Queremos que o Bairro Alto se torne na Rua da Oura?

Não sou uma pessoa muito apegada a coisas. Vivo com pouco, não cozinho e nem passo muito tempo em casa. Cada vez mais se fala que a cidade se volta para turistas e se esquece de nós. Quis contrariar essa tendência. Quis mesmo acreditar que era mentira. Como as casas estavam um abuso, tive uma ideia. Ideia idiota. Peço desculpa pela redundância e estupidez desde já. Lembrei-me que dado que cada vez mais, é mais fácil encontrar um hotel que uma casa para alugar, talvez fosse interessante embora obviamente mais caro, em época baixa porque aí os hotéis nunca enchem, viver um mês em 6 unidades hoteleiras diferentes durante 6 meses para entender se isso pode ser uma prática possível e relatar a experiência em cada local. Era um artigo giro de escrever.

Enviei 40 emails para diferentes unidades hoteleiras. Desde hostels, pensões e hotéis mais conceituados. Num misto de ingenuidade, esperança e noção de impossibilidade, aguardei pelos orçamentos. Recebi 6 respostas. O mais barato ficava a 700€ num dormitório de hostel por mês se ajudasse a fazer uns workshops e o mais caro a 2500€ num hotel cuja lotação pelo que sei é fraca e que há pouco tempo estava continuamente com vouchers de descontos nos sites habituais. Não fazem grande diferença por ser um mês. Quase todos me deram preço de tabela e pronto. Acreditem. Os hotéis não nos querem por lá. Não somos um público interessante. No fundo, eu sabia disto. Só o queria provar. Tudo no meu email.

Voltei para a abordagem normal. Os anúncios de casas. Os anúncios são cada vez mais criativos, é um facto. Na minha opinião também são cada vez mais sem noção. As pessoas perderam por completo a noção. 

Apartamento de “charme” é uma das frases mais utilizadas. Normalmente são buracos com um detalhe centenário que as torna elegíveis para um preço mais “requintado”.

Há apartamentos a 500€ em que a cozinha serve também de casa de banho, quartos a custar 400/450€ e até já vi uma casinha de madeira com um quarto no topo de um prédio no Príncipe Real a 750€. Não percebo os preços dos quartos. Das casas até vou tentando compreender de certo modo dado que os senhorios têm de fazer obras e ganhar alguma coisa com o seu investimento. Parece-me legítimo. Mas dividir a casa para alugar ao quarto e pedir o preço que se pratica por um T0 ou T1, muitas vezes sem contas incluídas ou sequer recibo…expliquem-me. Sou toda ouvidos. Haverá alguém a fiscalizar este aluguer de quartos desenfreado?

Existem também as imobiliárias que fazem anúncios aspiracionais com letras de música e poemas e que com fotos mais bem trabalhadas nos tentam fazer crer que o preço astronómico que cobram é o valor digno daquele espaço.

Adoro os que dizem “ideal para casal em início de vida”. Normalmente quer dizer que vão ter direito a 25/30m2 por 500€ que normalmente é o mínimo a que se arranja um apartamento em Lisboa. E a pior coisa deste anúncio? Demonstra que a malta tem de acasalar ou vai viver para sempre num quarto a dividir com amigos ou estranhos. Uma pessoa solteira é sempre posta de parte em tudo nesta sociedade. Até de encontrar uma casinha para si e ter também um início de vida. Considerando que as casas mais baratas têm o preço do nosso ordenado mínimo e que os aumentos nos dias que correm são utopias fofinhas, não é fácil rumar à independência. Já vivi com 22 pessoas diferentes desde que vim morar para Lisboa há 14 anos. Há de tudo. Pessoas que guardo para a vida e malta que não acreditei que pudessem existir. Se calhar ainda é cedo para exigir um cantinho de paz. Ironicamente digo.

Adoro os que afirmam ser no centro da cidade, num dos melhores bairros e depois ficam em Camarate ou no Prior Velho. Nada contra Camarate mas não fica propriamente no centro de Lisboa.

E os que dizem que alugam quartos “com serventia de cozinha“? O que seria se assim não fosse, não é?

Nutro também especial afecto pelos imensos anúncios falsos que existem na internet. Muito cuidado. Se se depararem com uma casa lindíssima no olx ou custojusto, com móveis incríveis, numa zona central a preço muito barato, desconfiem. Desconfiem ainda mais se ao abrirem o anúncio, este começar por descrever o espaço em inglês e depois existir uma tradução meio abrasileirada. Quer dizer que há ali google translate metido ao barulho. Se enviarem email, vão muito provavelmente receber um email todo mal escrito de alguém que vos vai dizer que está no estrangeiro, que comprou a casa para a filha que veio para cá estudar (ou uma versão parecida) e não vos pode mostrar a casa. Vai pedir-vos que enviem o dinheiro ou que paguem por airbnb e que depois vos manda a chave. Escuso de dizer que é uma mega fraude e que devem denunciar.

Apesar de ter 30 anos e já não poder concorrer à Porta 65, tenho de me incluir nos jovens porque acredito que tal como eu, uma grande parte da minha faixa etária que tirou cursos universitários e tudo, não tenha estabilidade financeira para viver ainda sozinho. Ou que se isso acontecer, se conte todos os trocos até ao fim do mês. Espero agora pelo resultado das casas da Câmara. Já é a terceira vez que concorro e o mais perto que já estive de ganhar uma casa foi em 33ºsuplente. Vamos ver. É sorteio mas foram 5000 e tal candidaturas. Como não sou de guardar informação valiosa para mim, digo-vos para estarem atentos aqui porque de vez em quando têm novos concursos e as casas são bastante acessíveis. Se souberem de algo parecido partilhem também 🙂

Penso todos dias numa questão. Que podemos nós fazer mais para que a nossa cidade também seja realmente nossa? Para que os jovens habitem o centro e possam dar vida e cor às nossas ruas. Será que existe algum bairro por aí que possamos todos ajudar a reabilitar para ter casas acessíveis e espaços comerciais repletos de criatividade? Dar vida a uma zona nova? Que esteja mais desactivada e sem nada a acontecer? A verdade é que se todos pagarmos mais de metade do nosso ordenado por uma casa…os nossos sonhos vão sempre ficar arquivados e não podemos deixar que isso aconteça. Ideias por aí? Temos de ser nós a descobrir como! Bora lá que podemos inscrever ideias no orçamento participativo até dia 12 e sou pouco de me queixar e não fazer nada.

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Photo Credits: Lili Popper

acrushon
7 Comments
  • Saltos Altos Vermelhos

    Aqui no Porto está igual 🙁 Adoro a evolução que a cidade teve nestes últimos anos mas está a tornar-se só para turistas… e os preços das casas devem estar muito semelhantes aí 🙁

    8 Junho, 2016 at 21:28 Responder
  • Isaque

    e os casais tem que passar a ser tri ou quartetos.. porque as vezes dois já não chega… :/

    8 Junho, 2016 at 11:03 Responder
  • Cláudia

    Li o teu texto e revejo-me bastante nele! Estou à procura de casa em Lisboa, mas desmotivo a cada dia que passa, preços exurbitantes e por cubículos que metem dó. Também concorri às casas da Câmara a preço, esse sim, acessível e justo, e quase 6000 candidatos…é obra. Não tenho grande esperança sinceramente, mas ao menos vou tentando a minha sorte.
    Pedir empréstimo está fora de questão, porque os bancos hoje em dia, só emprestam, ironicamente, a quem tem.
    Boa sorte no sorteio de dia 9! Que nos saia uma casa a cada uma! ehehhe

    6 Junho, 2016 at 22:14 Responder
  • Patrícia

    Também li o artigo que referiste, e depois encontrei o teu texto, e caramba, custa tanto ler isto por saber que é mesmo a realidade, não há exageros. Quero viver (pelo menos) algum tempo em Lisboa, e quando vejo as opções, os preços, só penso “E se um dia quiser mesmo ficar a viver em Lisboa, vou ter que viver para sempre numa casa partilhada, nunca vou ter um espacinho só meu?”. Os preços são assustadores, e há até mesmo quartos que não são nada de mais a preços exorbitantes para quem vai viver de um estágio, por exemplo.
    Eu gosto muito de turismo e sou uma apoiante dessa economia, eu própria gosto de turistar (hehe), mas por vezes também sinto que há sítios que estão a perder a sua essência. Posso falar do Porto, onde estou diariamente, e da diferença que sinto desde que fui estudar para lá, há quase 6 anos e agora. É uma transformação enorme… o Porto entrou na moda e fico com a sensação que em cada esquina há alguém que não é português.

    Gostei muito do teu blogue, ganhaste uma seguidora 🙂
    Um beijinho
    onemysterybox.blogspot.com

    6 Junho, 2016 at 21:57 Responder
  • António Pimentel

    Estive a ler o teu texto e depois fui ver também as regras do OP. A ideia de poderes contribuir para parte do investimento feito pela câmara de lisboa é impecável no papel mas tem algumas regras que são limitativas ao projecto. Em relação ao mercado de arrendamento, sendo este altamente especulável, e altamente apetecível! Podia entrar agora numa dissertação sobre certas instituições cujo objeto de negócio são créditos e que com muito esforço conseguiram destruir acesso a crédito a 60% da população mas isso não invalida o facto de muito proprietário se ter aproveitado para fazer subir as suas rendas e claro está do próprio estado ter aproveitado para tributar tais rendas a níveis elevados. (Sendo que quem os suporta são os arrendatários)
    Ou seja, com jeitinho podia dizer que a culpa é deste, daquele e do outro e com isto arranjar mais uns quantos revoltados e ir para rua gritar um pouco! Mas acredito que há soluções que não sendo as mais óbvias e fáceis de implementar serão aquelas que melhor se adequam.
    Pegando nos predios devolutos que falas, estes podem ser adquiridos desde que exista um projecto de recuperação associado. Mas se nenhum de nos não consegue comprar uma casa como é que vai comprar um prédio e ainda fazer obras. Aqui entra o conceito de fundo. Ou seja, o preço final de um apartamento num desses prédios (uma vez que não existe objectivo de lucro) seria muito mais baixo que o praticado no mercado , logo o capital necessário por pessoa também seria mais baixo. A nível de banco, o empréstimo total seria grande mas o risco seria repartido por várias partes e logo mais apetecível! E claro está, com cláusulas de permanência na habitação estar-se-ia a devolver a vida a certas zonas da cidade! Aliás isto bem pensado podia incluir requisitos a vários níveis como materiais de construção portugueses, empresa de construção de pequena ou média dimensão (para não ser mais um veículo de extorsão das grandes empresas de construção), empregar uma percentagem de desempregados de longa duração com mais de 45 anos. Haveria pano para mangas no que toca a retorno directo e indirecto num projecto destes. Mas há que querer arriscar numa coisa destas!

    6 Junho, 2016 at 19:31 Responder
  • Marta Chan

    Nesse caso considero me uma sortuda pois nunca tive de procurar casa em Lisboa, quando cheguei já tinha o meu apartamento no bairro de alvalade, uma casa vazia da tia avó do meu Bruno… ela vive noutro sítio!

    Olha que há hostels a pedir apenas 10€ num dormitório. Tudo bem Alcântara não é centro mas é bem calmo e bonito. Fiquei hospedada no Lisbon blue hostel, o dono chamado Octávio é um bacano e acho que ainda te faria desconto 🙂

    Sabes que trabalho com hostels, por isso que quiseres ir com essa ideia de viver seis meses em hostels diferentes para a frente apita! Conheço uns bacanos! Agora que vamos entrar na altura do verão é que vai subir tudo, tipo Algarve, sabes Comé.

    6 Junho, 2016 at 10:05 Responder
    • acrushon

      Temos de combinar para trocar ideias então 🙂 Era capaz de ser giro. Não agora, mas mais para a frente quando os preços baixarem 🙂

      6 Junho, 2016 at 13:17 Responder

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