Temos mesmo liberdade?
É real. Podes senti-la de um modo diferente dos teus pais e avós. Mas vive escondida. Porque está em todo o lado mas a sua essência é mal empregue. Vive na pressão social da humanidade, nos limites bancários e nas fracas capacidades de decisão de quem é um simples trabalhador.
Acordas de manhã e segues para o trabalho. Apanhas o autocarro das 7h45. No seguinte já chegarás atrasada. Sorris à Dona Clotilde que se senta sempre na terceira cadeira a contar da frente, no lado direito junto à janela. Não houve um único dia que ela estivesse noutro lugar. Está sempre ali, de face encostada ao vidro para dormitar mais uns minutos antes do frenesim inerte que vai ser o seu dia de administrativa.
No lado esquerdo junto à primeira porta de saída está sempre o Abel com o seu pai. Um fica na segunda paragem na escola e o outro segue até ao fim da linha para ainda trocar de autocarro até chegar à sua unidade fabril. Sempre o mesmo percurso. Sempre a mesma sofreguidão no olhar. Um dia após o outro. Não fossem os euros contados para a escola do pequeno Abel e tudo seria diferente.
Não te sentas porque já não há lugar. A dona Rosa passa e pergunta como vai o José e quando é que se casam. Em tom monótono dizes que ainda não está nos planos quando no fundo, gostavas de lhe responder que arranje uma vida e que estás bem assim e que adoravas que o mundo parasse de fazer questão de te relembrar que deves subir o degrau que é suposto.
Ficas de pé atrás do rapaz ruivo de 1m80 e por uma pequena fresta vês a casa dos teus sonhos. Aquela que contemplas cada aresta sempre que por ali passas. De tom azul e com janelas grandes. Suspiras alto em tom desolado. A recibos verdes não vais conseguir um empréstimo em banco nenhum. Pensas em como a tua casa alugada no subúrbio mais longínquo não é assim tão má e que te pode servir por mais um bom par de anos enquanto juntas o teu pé de meia.
Pensas que o melhor seria largar tudo e correr o mundo, pegar na mochila e ir sem pensar duas vezes. Não tens obrigações ainda como o pai do pequeno Abel.
Lembras-te que podes fazê-lo. Que tens um passaporte que o permite. Que basta quereres e fazeres algumas mudanças na tua vida para obteres o que desejas. Soltas uma gargalhada. Percebes que a felicidade é alcançável. Só tens de te libertar.
Photo Credits: Elizabeth McClay