Yangon, a surpresa.
Demorei a escrever este título. Quase parece tosco. Sem graça. Deslavado. Sem a essência de quem pensa. Parece cuspido. Não é. É sentido. Demasiado sentido. Adorei Yangon. Tenho este texto por escrever há algum tempo pela descrença da capacidade de pôr em palavras aquilo que senti quando aterrei neste local. Esta viagem ocorreu a Novembro de 2015.
Ásia, Je T’aime
Aquele cheiro a Ásia. Típico. Ácido. Que se entranha em nós e faz parte quando nos entregamos a estes passeios. Que saudade desmesurada. A surpresa é como o seu próprio nome indica derivado da qualquer falta de noção de expectativa real. A cidade mais vibrante de Myanmar. Senti uma energia muito jovial e a animação era maior. A cidade é grande mas talvez por ter ficado na downtown perto da ChinaTown tenha sentido uma agitação diferente.
Lembro-me que nos disseram para ir de taxi e que seria por volta de 10000 kyats, que hoje em dia equivale a cerca de 6€. Ao chegar ao nosso hostel, um dos únicos que vimos em Myanmar com a essência do que sentimos ser um hostel para nós, o ambiente era de viajantes do mundo. A zona onde se inseria, a China Town, era uma mistura de cor com um crescimento desregrado. Os cabos de electricidade voavam sob as nossas cabeças ao encontro de todo o lado. Tenho algumas fotos mas nenhuma faz jus ao cenário. Muitas ruas paralelas, sem grande espaço, onde várias lojas e bancas de rua se agregavam e acumulavam. Uma mescla de odores e sabores pelo ar. Cada rua parecia ser destinada a um tipo de negócio diferente como se da nossa antiga baixa lisboeta se tratasse. À noite a comida destacava-se de tudo o resto. Por menos de um euro ou dois era possível comer noodles maravilhosos. Gostei das noites em que deambulei por Yangon. Ocorria-me um sentimento de uma certa pertença.
Chegámos de manhã e embora a decisão tivesse sido de ir imediatamente explorar a cidade, o cansaço das 22h de avião não nos permitiu. Decidimos descansar 2/3 horinhas antes de sentir a cidade.
Assim que acordámos decidimos ir visitar a atracção principal da cidade, a Shwedagon Paya. Quisemos ir a pé para ver e entender a geografia da cidade. A caminho parámos numa pagoda mais pequenina que nos deu um certo vislumbre da espiritualidade do país. De cores douradas e apontamentos coloridos, numa versão pequena e desprovida de gente, entrámos no mundo de buda e começámos a entender melhor esta cultura. Há uma diferença na maneira como os birmaneses vivem. A sua religião funde-se completamente com os seus valores e maneira de ser. Não há uma distinção clara. É mesmo uma maneira de estar. Sente-se. Não há maneira de destrinçar.
Shwedagon Paya
Continuámos a andar até chegar a uma das entradas da Paya, a glamourosa Shwegadon Pagoda. Chegámos pouco antes do pôr-do-sol, que nos permitiu assistir a uma cerimónia de limpeza da própria infraestrutura. As pessoas alinhavam-se com umas vassouras e às 5 em ponto, começavam ao mesmo passo a limpar o seu espaço de culto. Dezenas e dezenas de pessoas. Pelo que entendemos, existem vários grupos de voluntários com tarefas distintas limpam o espaço. Pode ser a varrer o chão, limpar as estátuas ou recolher o lixo, por exemplo. Algumas pessoas vêm de muito longe para participar neste ritual. Para estes voluntários, esta não é uma tarefa árdua, mas um acto nobre que realizam ansiosamente para ganhar mérito, ou crédito espiritual.
Uma das vantagens de estar por aqui antes de anoitecer é ver a maneira como a luz do sol a essa hora reflete no dourado dos telhados. Uma visão de cores indescritíveis. A melhor altura sem dúvida para tirar fotos.
Na altura pagámos 16000k (cerca de 5€) mas penso que neste momento já são por volta de 6€. É importante levar calçado fácil de tirar uma vez que terão de o deixar à entrada. Tanto as raparigas como os rapazes devem cobrir as pernas. Aconselho a levar um lenço para os ombros e outro comprido a tapar as pernas até abaixo. Talvez seja uma boa altura para comprar um longyi, o vestuário característico que irão ver por todo o lado. Cuidado para o usarem bem e não acabarem satirizados como alguns turistas no passado 😉 Passem algumas horas por aqui, com a calma tão característica de Myanmar.
Perto da “Pagoda” está um grande jardim com um lago, passámos por lá já de noite mas pareceu-me ser uma área muito gira para explorar de dia. Nessa noite fizemos uma das minhas coisa preferidas a fazer na ásia. Bebemos um Bubble Tea. Optámos por não sair à noite porque entendemos que culturalmente não fazia parte de Myanmar. Os bares existentes eram mais para turistas do que propriamente para consumo local. O jantar foi obviamente comida de rua. Nem faria sentido outra coisa.
Segundo dia a deambular por Yangon
No dia seguinte acordámos e a nossa prioridade foi procurar o nosso transporte para Mandalay. Autocarro ou comboio? Desde que fosse nocturno e nos permitisse ficar até mais tarde em Yangon, tudo bem. Em frente à estação central de comboio é também onde estão todas as companhias de autocarros para os mais diversos destinos em Myanmar. Escolhemos autocarro devido ao horário e o preço foi 10700k (mais ou menos 6,5€) para um percurso de 622km. Na altura foi difícil encontrar informação online mas agora encontrei aqui para comboio e autocarro. Há autocarros dos mais simples aos mais luxuosos. É uma questão de escolher. Cuidado que apesar de comprarem aí os bilhetes, quase todos os autocarros partem de uma estação que é mais longe do centro.
No segundo dia quisemos visitar o “Drug Elimination Museum” que achámos que poderia ser interessante para entender a história das guerras de drogas de Myanmar. Fundado em 2001, as exposições mostram cenas de guerra, história política e obras de arte sobre os horrores da insanidade induzida por drogas. No entanto ficámos com a sensação que era muito pouco visitado e que éramos provavelmente as únicas pessoas a ir lá naquele dia. Tivemos o museu só para nós durante algumas horas. Infelizmente está ligeiramente decadente. Acho que é a palavra. Pretende ser educacional mas parece mais uma exposição feita por alunos com cartolinas. Há uma parte interactiva que tivemos de pedir para ligar (por não estar lá ninguém) onde os efeitos especiais estão ao nível dos anos 80.
Chovia, apanhámos taxi (custou cerca de 3000 kyats) até à National Races Village (6000 kyats a entrada). Este local contém réplicas das casas das diversas tribos existentes em Myanmar e permite uma visão mais ampla do povo do país. Não foi muito fácil de aproveitar o dia aqui porque chovia muito mas juntámo-nos a uma família que fazia a visita com uns filhos num veículo que fazia o percurso no parque.
Voltámos para o centro de Yangon e fomos na altura do pôr-do-sol à Sule Paya que é numa rotunda no meio do trânsito. A pagoda é mesmo muito bonita e faz um forte contraste entre a vida moderna de Myanmar e o seu passado. A entrada foi cerca de 3000 kyats.
Comprámos uns bolos e seguimos de viagem para Mandalay. No entanto, a nossa estadia em Yangon voltaria a acontecer novamente no final da viagem. Após 13 dias a passear por Myanmar, decidimos apanhar o comboio nocturno de Mawlamyine para Yangon. O bilhete foi apenas 2800k a cada uma porque decidimos vir na classe mais baixa. O conforto da primeira classe chamou à atenção mas ia vazia e nós necessitávamos de uma experiência mais real. Dividimos o nosso banco de madeira plana e dura do comboio com umas velhinhas que nos obrigaram simpaticamente a experimentar toda a comida que tinham. Antes disso comprámos uma massa na estação que veio dentro de um saco de plástico por 300k (0.18centimos) que achámos que seria o belo início de uma relação duradoura com uma sanita que na verdade isso nunca chegou a acontecer.
Regresso a Yangon
Chegámos bem cedo a Yangon, nada estava aberto e foi difícil encontrar um café aberto para o pequeno-almoço. Fomos visitar e passear pelo kandawgyi lake onde vimos muitas pessoas a fazer o seu jogging matinal. Decidimos fazer uma das coisas que nos faltava fazer, a Circle Line. Este é o meio de transporte natural dos habitantes de Yangon e como o próprio nome indica, é circular. Custou 1000 kyats e é uma fenomenal abordagem à cidade e seus subúrbios. Há mercados à sua volta e as pessoas transportam todo o tipo de bens. Como a aventura nunca é demais para nós. Percebemos que a Circle Line parava perto do Aeroporto e decidimos tentar sair nessa estação e ir a pé ou de transporte de lá. Assim foi. Saímos na Pa Ywet Seik Kone Station e fomos a pé. A certa altura já estava a ser complicado perceber a melhor maneira de chegar ao aeroporto e apanhámos um taxi que ficou apenas 1000 kyats comparado com os 10000 kyats iniciais. Aconselho mais para a partida do que chegada porque aí já terão um conhecimento maior da cultura.
Photo Credits: Lígia e a mais bela fotógrafa Anabela Aires (as melhores são dela)